Exposição "Até Aqui Fizemos Tudo"


Este é um texto reflexivo, poético, liberal, globalista, político, irônico e romântico.

Quando recebi a notícia de que teríamos uma exposição coletiva ao final do projeto, eu, que nunca tinha sequer criado uma obra de arte, me perguntei de que forma poderia me expor a outros olhares — e o que eu iria querer receber de volta desses olhares. A princípio, minha vontade era criar algo relacionado ao nome do projeto "Percurso do Artista Faz Tudo" e refletir sobre o meu percurso enquanto artista que, vindo de uma família dissidente e periférica, a todo momento precisou se virar nos 30 para sobreviver, fazendo de um tudo. 

Com essa premissa, minha ideia era criar, a partir de um mapa do estado do Rio, a minha trajetória, o meu percurso. Mapearia todos os lugares por onde já morei e que atravessei ao longo da vida até aqui. Para contextualizar: foram muitas as mudanças de lares desde a primeira infância, passando por parte da adolescência e vida adulta, muitos foram os lugares por onde passei; muitas foram as formas de acolhimento que recebi ao longo da vida. 

Dito isso, eu mapearia esses lugares e faria do mapa uma obra que demarcasse esse percurso, essa rota que trilhei até aqui. Porém, quando o mapa chegou, me dei conta do quanto o estado do Rio de Janeiro é grande em sua escala — e que os lares, territórios e bairros por onde passei se referiam a uma parte bem pequena desse mapa. O desespero bateu. Pensei: "Como vou transmitir essa ideia no mapa? Estava tão certo de que a obra seria sobre esse percurso..." Porém, o mistério trabalha de formas esfíngicas.

A duas semanas da grande exposição — que seria minha revelação ao mundo da arte, minha afirmação enquanto artista visual — eu estava na minha sala, com um mapa enorme do estado do RJ colado na parede, me encarando, e quando, de repente, a lembrança de uma foto da infância me atravessa e foi quase como uma epifania: liguei essa imagem ao que eu realmente queria apresentar ao mundo: Meu Território. Pois quando penso na minha trajetória e percurso, penso em quem dividiu essa caminhada comigo, penso na minha mãe, nas minhas irmãs e na nossa força e afeto em momentos de grandes dificuldades.

A ideia de mostrar o meu percurso, a minha poética e minha linguagem estavam ali. E, prontamente, comecei a sobrepor a imagem no mapa, ligando os pontos e descobrindo que o fazer artístico vai curando e te transformando a partir do processo. Desenhar, como num exercício de ligar os pontos que eu fazia quando criança; Revisitar tantas memórias, dores e alegrias foi um processo e tanto.

Quando finalizei o traçado, decidi colocar o vermelho vivo dos corpos no traçado geográfico, a fim de revelar uma fusão ativa entre identidade e deslocamento, sangue e afeto. Pinto também as nossas cabeças de azul — esse pigmento que era difícil e caro de produzir nas antigas civilizações — e aqui traduzo na importância e valorização do amor, da resistência e da vida nas relações de famílias dissidentes. 

Quando finalizo essa obra, enxergo nela e na arte a chave e a porta que eu sempre busquei — e achava que encontraria de outra forma. Porém, como num processo de autoconhecimento, autoprocura e autocura, percebo que sou eu a minha chave e a minha porta. Que o meu percurso está nos corpos que atravessam as gerações comigo, a minha "família". Ao escolher por último o título da obra — "Meu Território" — ressignifico a família como território, o corpo como tela, o corpo-território e o estado como berço dessa história.

A abertura da exposição trouxe consigo a confirmação que eu não sabia que precisava, a recepção e conexão que a obra trouxe as outras pessoas, os comentários e atravessamentos que aconteceram desde então me mostraram não somente a beleza e mistério que eu já desconfiava existir na arte, mas também o quanto o meu percurso não seria verdadeiro se a arte não tivesse me atravessado.  

Albuquerque, Victor. 2025