

Centro de Artes Calouste Gulbenkian
Este é um texto reflexivo, poético, liberal, globalista, político, irônico e romântico.
Quando no Percurso, recebi a notícia de que teríamos uma exposição coletiva ao final do projeto, eu, que nunca tinha sequer criado uma obra de arte, imaginei a grandiosidade que estava nas minhas mãos, à três meses queria eu poder gritar pro mundo a minha voz e esse momento chegou. A princípio, minha vontade era criar algo relacionado ao nome do projeto "Percurso do Artista Faz Tudo" e refletir sobre o meu percurso enquanto artista que, vindo de uma família dissidente e periférica, a todo momento precisou se virar nos 30 para sobreviver, fazendo de tudo um pouco.
Com essa premissa, minha poética surgiu a partir de um mapa do estado do Rio de Janeiro, meu estado parte da minha trajetória, caminho do meu percurso. Mapearia todos os lugares por onde já morei e que atravessei ao longo da vida até aqui. Para contextualizar: foram muitas as mudanças de lares desde a primeira infância, passando por parte da adolescência e vida adulta, muitos foram os lugares por onde passei; muitos trânsitos, muitas famílias e muitas foram as formas de acolhimento que recebi ao longo da vida.
Dito isso, localizaria esses lugares e faria do mapa uma obra que demarcasse esse percurso, essa rota que trilhei até aqui. Porém, quando o mapa chegou, me dei conta do quanto o estado do Rio de Janeiro é grande em sua escala, e que os lares, os territórios e bairros por onde passei se referiam a uma parte bem pequena desse mapa. O desespero bateu. Pensei: "Como vou transmitir essa ideia no mapa? Estava tão certo de que a obra seria sobre esse percurso..." Porém, o mistério vai se desenhando de formas que é complicado colocar em palavras, sua beleza e enigmática formam estruturas e lugares dentro e fora da gente, que só quem sabe, sabe, e sabe que é.

A duas semanas da grande exposição, que seria minha revelação ao mundo da arte, minha afirmação enquanto artista visual, eu estava na minha sala, com um mapa enorme do estado do RJ colado na parede, em branco rs, me encarando, e quando, de repente, a lembrança de uma foto da infância me atravessa e foi quase como uma epifania: liguei essa imagem ao que eu realmente queria apresentar ao mundo: o meu Território, minha identidade, quem eu sou, e quem "sou eu?" Pois quando penso na minha trajetória e percurso, na minha historia, na minha infância, penso em quem dividiu essa caminhada comigo, penso na minha mãe, nas minhas irmãs e na nossa força e afeto em momentos de grandes dificuldades.

A ideia de mostrar o meu percurso, a minha poética e minha linguagem, minhas ferramentas, meus exercícios, e quem sou eu estavam ali. E, prontamente, comecei a sobrepor a imagem no mapa, ligando os pontos e descobrindo que o fazer artístico vai curando e te transformando a partir do processo. Desenhar, como numa brincadeira de criança de ligar os pontos que eu adorava; Revisitar tantas memórias, dores e alegrias foi um processo e tanto.

Quando finalizei o traçado, decidi colocar o vermelho vivo nos corpos do traçado geográfico, a fim de revelar uma fusão ativa entre identidade e deslocamento, o povo brasileiro em si é um povo dissidente, de cara vermelha, de sangue e afeto, de luta e cara no Sol. Pinto, rs, também as nossas cabeças de azul, esse pigmento que era difícil e caro de produzir nas antigas civilizações, e aqui traduzo no que é "difícil & caro" hoje em dia, importância e a valorização do amor, da resistência e da vida belle das relações de famílias dissidentes.

Quando finalizo essa obra, enxergo nela e na arte a casa a chave e a porta que eu sempre busquei, e, que achava eu que encontraria de outra forma. Porém, como num processo de autoconhecimento, autoprocura e autocura, percebo que sou eu a minha chave e a minha porta e também a minha casa. Que o meu percurso está nos corpos que atravessam as gerações comigo, e me atravessam, a minha família, os outros, você. Ao escolher por último o título da obra "Meu Território" ressignifico a família como território, o corpo como tela, o corpo-território e o estado como berço dessa nossa história.

A abertura da exposição trouxe consigo a confirmação que eu não sabia que precisava, a recepção e conexão que a obra trouxe as outras pessoas, os comentários e atravessamentos que aconteceram desde então me mostraram não somente a beleza e o mistério que eu já desconfiava existir na arte, mas também o quanto o meu percurso não seria verdadeiro se a arte não tivesse me encontrado e eu a elA.

Albuquerque, Victor. 2025